Outras nádegas

 

terça-feira, julho 25, 2006

Cento e noventa e nove, cem. Ia começar mais uma volta no colar. Contar as sementes disfarçava o nervosismo. Tinha colocado três colares de contas no pescoço. Um levemente apertado no pescoço, branquinho e muito elogiado entre as amigas. Outro amparado pelos ossos salientes abaixo do pescoço e o seu predileto, roxo, caído entre os seios pequeninos quase infantis. Vestia uma blusa sem costura aparente, amarrada nas costas, na altura de sua cintura e exibia um lindo e inocente umbigo. Cor de laranja, transparente, um lindo decote em v, contraste perfeito com a comportadíssima saia de seda branca, levíssima, voando a cada nova brisa. Os pés posicionados um a frente do outro calçava sandálias pretas combinando com a bolsinha de verniz que descansava no ombro. Estava nervosa. Havia se pintado o menos possível, antes de sair passou de leve com o dedo um batom cor de cereja nos lábios, fez biquinho satisfeita em frente ao espelho e saiu bela ao sol. Agora se arrepende, talvez estivesse exagerado na maquiagem, tem medo. E como demorava. Eu com tantas ocupações, tantas coisas a se pensar. Olhava de um lado para o outro nervosíssima mas amparada no imenso desejo de tê-lo. Na mão carregava uma sacola de uma disputadíssima grife, causa de muitos dos seus infortúnios. Lembrou-se do casaco na vitrine da butique, não poderia deixar de comprá-lo, ficará perfeito com aquele meu vestido palha. Suspirou de cansaço, quase desistindo do seu objetivo ao ter saído de casa como uma ladra. Mentiu para empregada, deu satisfação ao porteiro e quase fez o sinal da cruz em frente a estátua no hall de entrada do prédio. São Judas Tadeu que me perdoe, é só um busto. De quem mesmo? Deixou pra depois, tinha muitas ocupações. Vivia tentando se explicar, tinha pavor de ser mal interpretada. Se soubessem daquilo então? Ah meu São Judas Tadeu, se benzeu. Era o único santo merecedor de sua devoção. Sempre tão ocupada, quase tudo era impossível realizar. E ainda tinha que resolver o que teriam para o jantar. Era melhor acabar logo com isso. Olhando assim de longe até seria confundida com uma artista. Viu na esquina o motoqueiro virar rápido a rua e se aproximar. Será ele? Pra ela era um desconhecido mas seguia indicação de fonte segura. Ele se aproximou, sabia a descrição da mulher e achou quem procurava. A principio pareceu aturdido com aquela figura que mais parecia uma pintura de algum refinado bom gosto. Como era bonita, e como realmente parecia preocupada em ser vista numa situação tão corriqueira e até normal. Seu rosto revelava um medo genuíno, uma culpa profunda, seu corpo pulsava como se em pecado de luxúria. Ele sorriu agradecido por existirem anjos. Ruborizada, passou rápido o dinheiro escondido na mão e ele participando da louca brincadeira jogou o embrulho no fundo da sacola que ela segurava, tremia mais do que na sua primeira comunhão. Ele lançou para ela um olhar cúmplice e ameaçador. Não fora tão convincente quanto ela mas o entardecer era lindo. Entrou no carro, colocou a sacola no banco do passageiro e por cima uma encharpe escarlate. Estava tudo bem, tudo bem. Óculos escuro, rumou para casa. Trancou-se no escritório de seu marido louco por Vivaldi e Van Gogh. Tirou da sacola o DVD ao vivo e se deliciou com os pulinhos cafonas de Maria Rita. Mais uma vez olhou de lado para o espelho ao lado, se benzeu e disse: "Ah meu São Judas Tadeu!".


link | posted by Simy at 12:42 PM |


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