Outras nádegas

 

sábado, novembro 25, 2006

Estava frio e eu acabava de pegar o ônibus no terminal da Praça Santo Antônio, próximo à edição do jornal e bem em frente ao salão de jogos. Vinha observando os rapazes que encontravam um ritmo estranho nos ruídos da cidade e realizam oitos e três enquanto caminhavam. Sóbrios e famintos, com seus cigarros entre os dedos, paravam de vez em quando para elogiar belos seios sem o menor interesse. Eu adoro a juventude. Caçoar de tudo, ser inquieto, implorar atenção sem interesse algum. Vinha de uma sessão de cinema, um filme estrangeiro muito colorido, vibrante. Eu sentia perto o momento de ser pega executando um de meus crimes noturnos. Uma mão logo iria pesar sobre o meu ombro, solicitar minha identidade e então seria deportada para sempre. Usava uma calça apertada de tecido listrado na vertical. Blusa bege com um decote em v, alças finas e com um grande laço nas costas. Os cabelos se comportavam graças à encharpe verde musgo. Entrei no ônibus e me sentei no meu lugar predileto. Fica onde ninguém que eu conheça gosta de se sentar. De costas para o meu destino e cara a cara com o corajoso que se metesse a sentar em frente. Ele era magro, muito alto, de nariz arrebitado e rosto longo. Era calvo, usava um elegante terno azul marinho e uma gravata... Laranja de listras brancas na diagonal. Bem, eu penso que só se apaixona uma vez. Acontece quando está apaixonado. Digo, no presente. As vezes antes disso, você chama de amor, de aventura ou... de nada. O resto é diversão. Pegou uma agenda e começou a escrever no dia 10 seus compromissos do nascer ao pôr do sol. Era canhoto e escrevia como um ex-viciado em álcool. Rápido, medroso, de cabeça baixa e muito compenetrado. Inclinei-me para frente apoiei meus cotovelos nos joelhos com uma vontade descarada de descobrir quais eram seus importantes compromissos. Pude perceber, pela pasta que levava sobre o colo, que o indivíduo trabalhava em uma empresa de seguros ou planos funerários. Ou talvez seguros de vida e funerais. Inquieto com meu interesse levantava levemente sua cabeça para me fazer acordar de meu inconveniente. Logo ouvi me perguntar se eu precisava de alguma coisa. Balancei a cabeça de um lado para o outro dizendo não e voltei a observar a folha já quase cheia de afazeres. Continuou escrevendo por mais alguns segundos mas aquilo era inaceitável. Fechou a agenda fazendo barulho. Acomodou as costas no banco e me encarou insatisfeito. Voltei devagar meu corpo e sorri abrindo o livro que guardava entre os joelhos. Não satisfeita encarei novamente o cafona enquanto ele repassava suas ligações do dia curvado sobre um celular super moderno. Quando ele desistiu de me censurar e resolveu sorrir, infelizmente... oh infelizmente... meu ponto. Sorri de volta e desci. No outro dia, no mesmo horário, estava no café em frente. Pura coincidência. Olhava quem entrava e saía do terminal. E adivinha quem apareceu? O careca. Pura coincidência já que corretores de seguros não brincam em serviço.


link | posted by Simy at 4:52 PM |


1 Comments:

Anonymous Anônimo commented at novembro 27, 2006 9:30 AM~  

Poxa, mas tinha que ser magrelo? Gosto naum... Mas... :-)

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