Outras nádegas

 

terça-feira, outubro 03, 2006

De Cujus

Desceu do ônibus. Vinha ter com quem nunca tinha visto. Paciência se os jovens pareciam lamentar o que ainda não conseguiram comprar. Tinha acabado de chover. No ar o cheiro de fresco e na pele a sensação. Botas quase até os joelhos, mini saia e tomara que caia, ainda permanecem resquícios da falta de senso. Em umas das mãos uma garrafa de vinho da loja de conveniências, o mais barato que até combina com o livro debaixo do braço. Título virado, pertinho das axilas, apertado. Adora campanhinhas e quase odeia interfones mas um casal entra bem na hora com sacolas de pão. Uma multidão de alunos de cursos “legais” discutindo Dostoievski. Sua ingenuidade implora alto. Lembra-se de não ser tão menina e de quando o era. Mantinha um namoro de sofá e comia sanduíches enormes e congelados. Um beijo quase a fazia gozar como as mocinhas-beatas dos romances do colegial. Lembra-se daquela vez em que na sala de casa, bem aos pés de papai e mamãe viu exaltar seu quase noivo, o homem de sua vida e a calça se abrir num acesso de tesão que não deveria ser explicado nesses termos. Aliás, nem poderia ser explicado, se tratando de uma menina com bochechas rosadas e genuinamente envergonhada. Viu um membro enorme e sentiu uma vontade louca de tocar, mas assustada correu a abraçá-lo e cochichar em seu ouvido um “por favor, não”. E como são sensíveis os primeiros namorados. E quase assustada se pergunta em qual idade é corrente ter saudade das meninas. E então para não parecer tão estranha ou fora dali pensa mais perto. Saia da boate bem mais decente que agora. Estava com ele, que não era mais seu primeiro namorado, não era nada mesmo. Era o baterista, indigesto, cafona e maconheiro. Ainda no carro vê a excitação e a pressa tomar partido da situação. Sente a procura dele por entre suas pernas, seus seios e é só isso o que ela quer. No sinal se abaixa com vontade e ouve o “fodão” gemer e nem pensa que dizia “nunca farei igual”. E relaxado ele se esbalda. Ela ouve vindo de um carro logo atrás um barulho agudo de buzina irritada. O boy de conversível e dono da noite passa ao lado e solta um grito irônico. Sente a gasolina cheirar. O baterista mostra seu devido e certo sorriso de cumplicidade, todo vaidoso, todo peralta e ainda assim cafona. De sobressalto é acordada por uma moça que fazia uma pergunta maluca sobre ter percebido ou não as teorias de Parmênides no texto do autor. Imediatamente a moça se sente uma estranha, inquieta com o olhar que lhe cai. Dá de ombros como que se desculpando por fazê-la se sentir assim e só responde que sente a face queimar de vergonha, mas tem uma imensa vontade de perguntar se é ainda menina. Sem respostas lembra-se também daquele dia em que a condução demorou tanto que pôde comer churros e creps no terminal de ônibus.
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Tô tentando encontrar um motivo pra não mandar ninguém a merda.


link | posted by Simy at 12:28 PM |


4 Comments:

Anonymous Anônimo commented at outubro 03, 2006 1:01 PM~  

É bom ser 'fodão', é bom ser 'fodão', é bom ser 'fodão', é bom ser 'fodão'... aaahhhh....

:)

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E não me mande, tá?

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Respondi seu e-mail.

Abração!

Anonymous Anônimo commented at outubro 03, 2006 1:12 PM~  

achou.Demais a crônica. bj

Anonymous Anônimo commented at outubro 03, 2006 7:50 PM~  

E eu aqui, te amando tanto que dói, e sem poder te ver. E-mail não chegou nem com reza braba, e eu fiquei sem saber das putarias. Ainda assim, ainda longe, ainda ausente, te tenho aqui, no peito, todo santo dia. Noite não, que essas são do Bichinho... :-)

Beijo!

Blogger Yvonne commented at outubro 04, 2006 9:23 AM~  

Simy, adoro as suas descrições. Gostei muito do texto. Se te fizer bem, pode me mandar à merda. Beijocas

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